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Recuperação de valores pagos indevidamente à título de ITBI, sob a luz da jurisprudência do STJ.

A base de cálculo do ITBI é conceituada no art. 38 do CTN, que dispõe que ela é “o valor venal dos bens ou direitos transmitidos” e, o art. 35 do mesmo diploma legal, complementa ao identificar o fato gerador do imposto como sendo a transmissão de propriedade ou de direitos reais imobiliários ou a cessão de direitos relativos à tais transmissões.

Em sendo a transmissão realizada entre vivos, caso do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), temos que o fato gerador do imposto decorre de um negócio jurídico, porque nasce de um acordo de vontades entre o alienante e o adquirente.

Assim, mostra-se importante ressaltar que embora seja possível dimensionar o valor médio dos imóveis no mercado, a avaliação específica de cada imóvel pode sofrer oscilações para cima ou para baixo desse valor médio, a depender, por exemplo, da existência de outras circunstâncias igualmente relevantes e legitimas para a determinação do valor real da coisa, como a existência de benfeitorias, o estado de conservação, os interesses pessoais do vendedor (necessidade de venda para despesas urgentes, mudança de investimentos, etc.) e do comprador (escassez de imóvel na região, proximidade com o trabalho e/ou com familiares) no ajuste do preço.

O ITBI, em razão do seu fato gerador, somente comporta duas modalidades de lançamento originário: por declaração ou por homologação, sendo inviável ao fisco proceder, de antemão, ao seu lançamento de ofício.

Diante disso, em face do princípio da boa-fé objetiva, presume-se que o valor da transação declarado pelo contribuinte está em consonância com o valor venal de mercado daquele específico imóvel, presunção que somente pode ser afastada pelo fisco se esse valor mostrar, de pronto, incompatível com a realidade, a justificar a instauração do procedimento próprio para o arbitramento da base de cálculo, em que assegurado ao contribuinte o contraditório necessário para apresentação das peculiaridades que justificariam o quantum informado, o que não ocorreu no presente caso.

Essa é a inteligência dos artigos 147 e 148, do CTN, verbis:

“Art. 147. O lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação.

§ 1º A retificação da declaração por iniciativa do próprio declarante, quando vise a reduzir ou a excluir tributo, só é admissível mediante comprovação do erro em que se funde, e antes de notificado o lançamento.

§ 2º Os erros contidos na declaração e apuráveis pelo seu exame serão retificados de ofício pela autoridade administrativa a que competir a revisão daquela”.

“Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial”.

Importante destacar a impossibilidade prática da realização do lançamento originário de ofício, uma vez que o fisco não tem como possuir, previamente, o conhecimento de todas as variáveis determinantes para a composição do valor do imóvel transmitido in concreto.

Assim, não dispondo de todos os elementos fáticos necessários ao juízo de certeza quanto ao valor do imóvel transmitido, não há como a Administração dispensar a participação do contribuinte no procedimento regular de constituição do crédito para estabelecer, antecipada e unilateralmente, a base de cálculo.

Constata-se, dessa forma, que, dadas as características próprias do fato gerador desse imposto, a sua base de cálculo deverá partir da declaração prestada pelo contribuinte, ressalvada a prerrogativa da administração tributária de revisá-la, antes ou depois do pagamento, a depender da modalidade do lançamento, desde que instaurado o procedimento administrativo próprio, em que deverá apurar todas as peculiaridades do imóvel (benfeitorias, estado de conservação, etc.) e as condições que impactaram no caráter volitivo do negócio jurídico realizado, assegurados os postulados da ampla defesa e do contraditório que possibilitem ao contribuinte justificar o valor declarado.

DA IMPOSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DE VALOR VENAL DE REFERÊNCIA PREVIAMENTE ESTIPULADO PELO FISCO MUNICIPAL COMO PARÂMETRO DA BASE DE CÁLCULO DO ITBI:

A tributação do ITBI não se dá por homologação no presente caso, visto que há pagamento antecipado do imposto sem prévio exame do fisco, mas, ao contrário disso, a Administração impõe ao contribuinte o valor do crédito a ser recolhido de forma unilateral, quando o valor declarado da avença for inferior ao arbitrado pelo fisco.

Ora, ao fixar a base de cálculo com lastro em valor de referência previamente estabelecido, o fisco busca, de fato, realizar o lançamento de ofício do imposto, o qual, todavia, está indevidamente amparado em critérios que foram escolhidos por ele unilateralmente e que apenas revelariam um valor médio de mercado, de cunho meramente estimativo, visto que despreza as peculiaridades do imóvel e da transação que foram quantificadas na declaração prestadas pelo contribuinte, que, como cediço, se presume de boa-fé.

Além disso, a adoção desse valor de referência como primeiro parâmetro para a fixação da base de cálculo do ITBI, com a inversão do ônus da prova ao contribuinte para demonstrar o contrário, subverte o procedimento instituído no art. 148, do CTN, pois, a toda evidência, resulta em arbitramento da base de cálculo sem prévio juízo quanto à fidedignidade da declaração do sujeito passivo.

Esse denominado valor venal de referência ou equivalente, quando muito, poderá justificar a ação fiscal para apurar a veracidade da declaração prestada, mas, em hipótese alguma, pode servir para antecipar tal juízo, porquanto, além de não abranger todas as possibilidades definidoras do valor de mercado daquele específico imóvel, acaba por subtrair a garantia do contraditório assegurada ao contribuinte, cujo exercício pressupõe a prévia instauração de regular processo administrativo.

Trata-se de tema pacífico no STJ, quanto à necessária observância do procedimento de arbitramento da base de cálculo preconizado no art. 148 do CTN, como passa a demonstrar nos seguintes precedentes jurisprudenciais, verbis:

“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA. ITBI. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO. LANÇAMENTO POR DECLARAÇÃO. DIVERGÊNCIA DO FISCO QUANTO AO VALOR VENAL DECLARADO PELOS COMPRADORES DO IMÓVEL. POSTERIOR LANÇAMENTO DE OFÍCIO (SUBSTITUTIVO). AUSÊNCIA DE PRÉVIO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. ART. 148 DO CTN. NECESSIDADE DE PERÍCIA JUDICIAL. 1. Cuida-se de agravo em recurso especial, que ora se traz a julgamento em conjunto com o próprio apelo raro, como permite o art. 1.042, § 5º, do CPC/2015. 2. Versa a lide sobre pedido de repetição de indébito, em que contribuintes reivindicam do Fisco Distrital a devolução de valor de ITBI alegadamente pago a maior, no âmbito de específica aquisição imobiliária. 3. Não há ofensa aos arts. 489 e 1.022, II, do CPC/2015, quando o Tribunal de origem dirime, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos. 4. A jurisprudência do STJ já se manifestou no sentido de que, “constituindo o valor venal do bem transmitido a base de cálculo do ITBI, caso a importância declarada pelo contribuinte se mostre nitidamente inferior ao valor de mercado, pode o Fisco arbitrar a base de cálculo do referido imposto, desde que atendida a determinação do art. 148, do CTN” (REsp 261.166/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/9/2000, DJ 6/11/2000, p. 192). 5. No caso concreto, nada obstante a considerável discrepância entre o valor declarado pelos contribuintes e aquele considerado como de mercado pela entidade tributante (o Fisco arbitrou valor equivalente a quase o dobro do informado pelos compradores do imóvel), a Corte de origem entendeu dispensável a realização de prévio procedimento administrativo fiscal para fins de lançamento do ITBI, afrontando, com isso, ao art. 148 do CTN. 6. Sob pena de supressão de instância, imperioso que os autos retornem ao primeiro grau de jurisdição, a fim de se implementar a avaliação pericial do imóvel objeto da exação, em modo de prova equidistante e imparcial, capaz de subsidiar o julgador na correta apuração do valor venal do bem, enquanto base de cálculo do incidente ITBI (art. 38 do CTN), ensejando o consequente e adequado deslinde da pretensão repetitória posta na exordial. 7. Agravo em recurso especial conhecido para dar parcial provimento ao recurso especial dos contribuintes. (AREsp 1452575/DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 27/06/2019)”

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ITBI. BASE DE CÁLCULO. APURAÇÃO POR ARBITRAMENTO AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZATIVOS DA MEDIDA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. O preço efetivamente pago pelo adquirente do imóvel tende a refletir, com grande proximidade, seu valor venal, considerado como o valor de uma venda regular, em condições normais de mercado. Todavia, se o valor apresentado pelo contribuinte no lançamento do ITBI (por declaração ou por homologação) não merece fé, o Fisco igualmente pode questioná-lo e arbitrá-lo, no curso de regular procedimento administrativo, na forma do art. 148 do CTN. Precedentes. 2. No caso concreto, o Tribunal a quo não dissentiu de tais entendimentos, mas apenas concluiu que o impetrante não juntou documentos que infirmassem de plano a presunção de legitimidade do ato administrativo que apurou o ITBI. 3. Portanto, aferir a existência de prova pré-constituída do direito líquido e certo demandaria o reexame dos fatos e provas da causa, vedado segundo os termos da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 847.280/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/03/2016, DJe 17/03/2016)”

Nesse panorama, verifica-se que base de cálculo do ITBI é o valor venal em condições normais de mercado e, como esse valor não é absoluto, mas relativo, pode sofrer oscilações diante das peculiaridades de cada imóvel, do momento em que realizada a transação e da motivação dos negociantes.

Em consequência, presume-se que o valor de mercado daquele específico imóvel corresponde ao valor da transação informado na declaração do contribuinte, com base no princípio da boa-fé, sendo que, reitera-se, essa presunção pode vir a ser afastada pelo fisco em regular processo administrativo, desde que observado o procedimento disposto no art. 148 do CTN.

DA DECISÃO PROFERIDA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NA MODALIDADE DOS RECURSOS REPETITIVOS:

Inicialmente, deve ser observado no presente caso o disposto no art. 927, III, do CPC, que assim dispõe, verbis:

“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

(…)

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos

Assim sendo, destaca-se que o Superior Tribunal de Justiça, através do tema repetitivo n° 1113, no REsp n° 1937821, proferiu a seguinte decisão, verbis:

“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS (ITBI). BASE DE CÁLCULO. VINCULAÇÃO COM IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO (IPTU). INEXISTÊNCIA. VALOR VENAL DECLARADO PELO CONTRIBUINTE. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. REVISÃO PELO FISCO. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. PRÉVIO VALOR DE REFERÊNCIA. ADOÇÃO. INVIABILIDADE.

1. A jurisprudência pacífica desta Corte Superior é no sentido de que, embora o Código Tributário Nacional estabeleça como base de cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) o “valor venal”, a apuração desse elemento quantitativo faz-se de formas diversas, notadamente em razão da distinção existente entre os fatos geradores e a modalidade de lançamento desses impostos.

2. Os arts. 35 e 38 do CTN dispõem, respectivamente, que o fato gerador do ITBI é a transmissão da propriedade ou de direitos reais imobiliários ou a cessão de direitos relativos a tais transmissões e que a base de cálculo do tributo é o “valor venal dos bens ou direitos transmitidos”, que corresponde ao valor considerado para as negociações de imóveis em condições normais de mercado.

3. A possibilidade de dimensionar o valor dos imóveis no mercado, segundo critérios, por exemplo, de localização e tamanho (metragem), não impede que a avaliação de mercado específica de cada imóvel transacionado oscile dentro do parâmetro médio, a depender, por exemplo, da existência de outras circunstâncias igualmente relevantes e legítimas para a determinação do real valor da coisa, como a existência de benfeitorias, o estado de conservação e os interesses pessoais do vendedor e do comprador no ajuste do preço.

4. O ITBI comporta apenas duas modalidades de lançamento originário:

por declaração, se a norma local exigir prévio exame das informações do contribuinte pela Administração para a constituição do crédito tributário, ou por homologação, se a legislação municipal disciplinar que caberá ao contribuinte apurar o valor do imposto e efetuar o seu pagamento antecipado sem prévio exame do ente tributante.

5. Os lançamentos por declaração ou por homologação se justificam pelas várias circunstâncias que podem interferir no específico valor de mercado de cada imóvel transacionado, circunstâncias cujo conhecimento integral somente os negociantes têm ou deveriam ter para melhor avaliar o real valor do bem quando da realização do negócio, sendo essa a principal razão da impossibilidade prática da realização do lançamento originário de ofício, ainda que autorizado pelo legislador local, pois o fisco não tem como possuir, previamente, o conhecimento de todas as variáveis determinantes para a composição do valor do imóvel transmitido.

6. Em face do princípio da boa-fé objetiva, o valor da transação declarado pelo contribuinte presume-se condizente com o valor médio de mercado do bem imóvel transacionado, presunção que somente pode ser afastada pelo fisco se esse valor se mostrar, de pronto, incompatível com a realidade, estando, nessa hipótese, justificada a instauração do procedimento próprio para o arbitramento da base de cálculo, em que deve ser assegurado ao contribuinte o contraditório necessário para apresentação das peculiaridades que amparariam o quantum informado (art. 148 do CTN).

7. A prévia adoção de um valor de referência pela Administração configura indevido lançamento de ofício do ITBI por mera estimativa e subverte o procedimento instituído no art. 148 do CTN, pois representa arbitramento da base de cálculo sem prévio juízo quanto à fidedignidade da declaração do sujeito passivo.

8. Para o fim preconizado no art. 1.039 do CPC/2015, firmam-se as seguintes teses: a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);

c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.

9. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1937821/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2022, DJe 03/03/2022)”

Assim sendo, firmou-se a tese de que o valor da transação declarado pelo contribuinte goza de presunção de que é condizente com o valor de mercado que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio, na forma do art. 148 do CTN.

Nesse sentido, resta configurado o indevido lançamento de ofício do valor de ITBI pelo fisco no presente caso.

DA REPETIÇÃO DE INDÉBITO:

Observando-se que não deve ser arbitrado previamente o valor devido de ITBI pela Administração, mas sim, considerado o valor declarado pelo contribuinte a qual somente pode ser afastada através de instauração de processo administrativo próprio, consoante o tema repetitivo n° 1113 pelo STJ, verifica-se que o contribuinte deve ser ressarcido pelo valor pago a maior, na forma do art. 165, I, do CTN, devidamente acrescido de correção monetária desde do pagamento indevido, na forma da súmula n° 162 do STJ e de juros moratórios a partir do trânsito em julgado da sentença, na forma da súmula n° 188 do STJ.

CONCLUSÃO:

A legislação tributária, especialmente no que diz respeito ao ITBI, é intrincada e cheia de particularidades. Esse artigo demonstrou como o aconselhamento jurídico é crucial para proteger os interesses dos contribuintes. Nossa expertise garante que os nossos clientes consigam recuperar eventual valor pago à maior, em desacordo com a decisão do STJ.

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